Malthus e Ricardo: duas visões de economia
política e de capitalismo:
A economia política clássica inglesa abrange o período de,
aproximadamente, cem anos, entre 1750 e 1850. Entre Adam Smith, que foi seu fundador, e John Stuart Mill, seu último
grande representante, Thomas
Robert Malthus e David
Ricardo situam-se numa fase intermediária, por volta da segunda e
terceira décadas do século dezenove, e representa num momento de auge e de
crise de uma forma de pensar a economia capitalista. Após a morte de Ricardo e
de Malthus, proliferam muitas correntes de pensamento, umas reagindo e
contestando os princípios desses dois autores, como os socialistas utópicos, os
anti-ricardianos e os românticos da escola histórica alemã, outras se apegando
e defendendo algum aspecto de sua teoria como os socialistas ricardianos.
Os temas fundamentais
da economia política clássica foram: o
crescimento econômico em longo prazo, a acumulação de capital, a centralidade
do trabalho, a distribuição da renda entre as classes sociais, a descoberta e a
afirmação de leis econômicas como “leis naturais” da economia e a defesa do
credo liberal, que logo foi se transformando no fundamento ideológico da
economia política.
1.
A
teoria da população de Malthus – realidade, ideologia e ciência:
A teoria da população de Malthus pode ser entendida
com base na realidade
social de sua época. (graves problemas decorrentes da revolução
industrial)
Os efeitos
sociais da industrialização eram agudos: desemprego, pobreza, doenças, habitações precárias, transformações no
campo, êxodo agrícola e migração populacional para as cidades, provocando
oferta abundante de mão-de-obra e queda dos salários. Os registros históricos
são dramáticos: jornadas de 18 horas para mulheres e crianças, promiscuidade
social, epidemias, doenças e mortes.
Por sua vez, as “leis dos pobres”, que garantiam o auxílio à população carente,
começavam a ser contestadas pela classe proprietária de terras e pelos
capitalistas industriais, devido aos seus elevados custos e aos obstáculos que
criavam para a formação do mercado de trabalho, restringido a mobilidade da
mão-de-obra. Tanto Ricardo
quanto Malthus defendiam
a revogação dessas leis.
Ao mesmo tempo, o fermento das ideias revolucionárias vindas da França
encontrava terreno fértil entre os pobres e contestadores sociais na
Inglaterra. A reação da classe proprietária e dos ricos foi a de negar qualquer
responsabilidade sua pela pobreza generalizada. Os pobres eram considerados
como os maiores responsáveis pela sua pobreza e eles mesmos é que deveriam
encontrar a solução para ela.
Malthus parecia estar receoso em participar desse debate e propor alguma
solução para esse problema. Tanto é que a primeira versão de sua “lei da
população” apareceu como um panfleto anônimo.
A “lei da
população” de Malthus parte de dois postulados básicos: primeiro, que, sem alimentos, a humanidade
não sobrevive e, segundo, que a paixão entre os sexos não se
extinguirá. Esses dois princípios operam como duas leis fixas da
natureza humana. Então, como afirma, “adotando meus postulados como certos, afirmo
que o poder de crescimento da população é infinitamente maior do que o poder
que tem a terra de produzir meios de subsistência para o homem”. (Malthus,
1982, p. 282).
É muito conhecida sua formulação
sintética dessa lei populacional: “A população, quando não controlada,
cresce a uma progressão geométrica. Os meios de subsistência crescem apenas
numa progressão aritmética” (Malthus, 1982, p. 282).
Sua conclusão naturalista sustenta que, assim como no meio vegetal e
animal, também no meio humano, a consequência dessas leis é a doença e a morte.
A miséria humana é uma consequência inevitável dessas duas leis. Por isso,
Malthus não crê na possibilidade de uma sociedade próspera e igualitária. Ao
contrário, seu ensaio visava a dois objetivos: 1) lançar uma sombra sobre o futuro da humanidade e 2)levantar a bandeira contra a
igualdade e as reformas sociais. Malthus só admite o progresso da
miséria. Mesmo que se eliminasse toda pobreza e vício, partindo-se de uma
situação de igualdade, logo surgiriam diferenças sociais, que são naturais e
devem ser deixadas a cargo das leis naturais.
2.
A falta
de demanda efetiva e a possibilidade de crises:
Para Smith
e Ricardo, os mecanismos econômicos da concorrência e dos preços
garantiriam o equilíbrio entre oferta e demanda de produtos. Eles eram
partidários da “lei de Say”, segundo a
qual toda produção gera, necessariamente, um mercado para seus produtos, pois a
moeda funciona apenas como meio de troca e não serve para desviar poder de compra.
Malthus não
concordava com esse princípio e apontava para a possibilidade de falta de
mercado ou de demanda efetiva para consumir toda produção.
Ricardo se preocupava com a queda da taxa de lucro, pois ela reduziria o estímulo aos novos
investimentos, Malthus,
ao contrário, se preocupava com sua excessiva
elevação, pois isso implicava a falta de consumo e de demanda efetiva, pois
os trabalhadores e os proprietários despendiam toda a sua renda no consumo,
logo, tanto salários quanto rendas e transformavam em demanda efetiva.
3.
Ricardo,
as “leis do trigo” e o protecionismo agrícola:
Ricardo levou ao máximo desenvolvimento as ideias de Adam Smith. O seu pensamento
e a sua obra representam a maturidade da economia clássica. Ele viveu num
período de fé no progresso da ciência, e o rigor analítico de sua obra
contribuiu enormemente para colocar a economia política no rol das disciplinas
chamadas científicas. Depois dele, a economia política, excetuando a superação
crítica efetuada por Marx, entrou em crise e seu espólio foi disputado por
inúmeras correntes e autores de menor expressão, cada um tentando desenvolver
um aspecto do pensamento de Ricardo. John Stuart Mill procurou fazer uma
síntese da economia política, mas sua obra acabou por abrir o caminho para uma
nova forma de pensar a economia.
O primeiro ponto a ser analisado na obra de Ricardo será a questão do protecionismo agrícola
assegurado pelas leis dos cereais. As leis de proteção aos preços agrícolas, as
célebres cornlaws, proibiam a importação de trigo do continente europeu para a
ilha britânica sempre que o seu preço ficasse abaixo de 80 xelings por quarter
de cereal. Para Ricardo, esse não era um problema menor, pois considerava muito
maléficos os seus efeitos sobre a economia como um todo. Durante o longo
período das guerras napoleônicas entre França e Inglaterra, o isolamento
comercial da Inglaterra, ao lado de uma série de colheitas fracas, tornou a
Inglaterra importadora líquida de alimentos, além de implicar o fortalecimento
da agricultura no mercado interno, com uma consequente elevação dos preços
agrícolas e o favorecimento dos interesses ligados à agricultura, expressos na
elevação acentuada das rendas da terra, que, efetivamente, cresceram em torno
de dez vezes, entre 1776 e 1816.
Ricardo substitui o tema da análise das condições da acumulação de capital pela
análise do problema da distribuição
do produto social e como esta distribuição afeta a taxa de lucro e o
crescimento econômico do país. A partir da aceitação e aplicação da teoria do
valor trabalho às condições de produção agrícola, Ricardo desenvolve seu método
de análise, um método
essencialmente dedutivo, e, com base nele, formula as principais
leis que governam o desenvolvimento econômico. A questão central para ele era
explicar o comportamento da taxa de lucro, pois ela era a variável chave do
movimento da economia. No seu modelo, a taxa de lucro tende a cair à medida que
a fronteira agrícola se expande em direção às terras menos férteis.
Para Ricardo: “Em
todos os tempos e em todos os países, os lucros dependem da quantidade de
trabalho suficiente para dar aos trabalhadores um volume de artigos necessários
para sua subsistência, numa terra ou com um capital que não produzem renda”.